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Poetas


                  A Lenda e a História

 

A fonte é escrita, é o livro de José Bezerra dos Santos. Sergipano filho de Japoatã, este foi Juiz de Direito em fins da primeira e inicio da segunda metade do sec. XX. Nesse livro, de 1955, nosso ilustre narra o surgimento da lenda. Como nasceu essa lenda de que haveria um tesouro em uma cidadezinha do interior, e logo em uma missão jesuítica de pouco porte? É isso que nós iremos saber agora.

Tudo começa com o sonho de um pacato cidadão dessa cidade, o senhor Pedro Alcântara, em que pese ser homônimo do ex-imperador não há nenhum parentesco ou semelhança na classe social de ambos. Alcântara é tão somente um lavrador da cidade de Jaboatão. Em seu sonho ele viu um lugar no qual os jesuítas enterraram um tesouro com uma grande quantidade de riqueza. Os detalhes do sonho guardou para si, mas logo pela manhã do dia seguinte correu para a capital (Aracaju) para avisar às autoridades e providenciar a caça imediata a tão inestimável tesouro.

Mas ora, você deve estar pensando, “o sonho de um pobre homem do interior não pode dizer nada sobre a realidade”. Vamos com calma. Primeiro: Esse pobre homem estava localizado em um tempo e espaço próprio, logo seus pensamentos estavam condicionados por esse contexto histórico, destratar tal fonte por não ser “factual” é um erro em que um historiador não pode incorrer. E mais, tudo que vem no passado, seja verdade ou mentira, deve ser objeto do estudo.

Mas, mudando um pouco de assunto... Já leu Sherlock Holmes? É um personagem fictício de Artur Conan Doyle um escritor britânico. Nas histórias Sherlock, quase sempre acompanhado pelo seu amigo Watson, desvendam mil mistérios que aparentemente parecem mentira, mas que devidamente analisados mostram muito da realidade. É esse às vezes o trabalho de um historiador, ser um detetive como Holmes. Assim como Holmes desvendou lendas como a do Cão dos Baskervilles (em que um cão horrendo assombrava uma mansão), nós desvendaremos esse mistério do tesouro.

O nosso autor (José Bezerra dos Santos) começa assim seu livro:

“- Olha sinhá Joana, a senhora soube do sonho do seu Pedro?

- Que sonho? (...)

- Ora esta! A notícia saiu ontem de tardezinha. Ele mesmo saiu contando a um e a outro que vai a Aracaju pedir ao governo que providencie a retirada de uma riqueza fabulosa que está enterrada!”(Bezerra, p.6)

Esse é o momento em que a população local começa, a saber, do sonho do seu Pedro. Mas não foi só o sonho que causou alvoroço, ele foi corroborado pelo frade local, vejamos:

“Aqui em Jaboatão. O frade disse que a cidade está em cima de um subterrâneo, em labirinto com salas e corredores vastos. Numa dessas salas está o tesouro e é preciso tirá-lo, pois sua alma está penando enquanto o segredo estiver no mistério.” (Bezerra, p.6).   

Como podemos ver não se tratava de um tesouro qualquer, mas sim de vastos corredores e salas em que supostamente abundariam riquezas inestimáveis. Mas, o que você faria com todo esse dinheiro? Talvez comprasse o computador da mais nova geração, ou o ultimo jogo da série Final Fantasy, ou quem sabe até aplicaria na bolsa! Mas naquela época e naquele lugar as ambições eram outras, vamos ver o que cada um dizia que iria fazer com tamanho tesouro.

“-Oh! Sinhá Vitória, se fosse a senhora que tivesse o sonho, que faria?

 - Eu, sinhá Joana, ficava caladinha e com meu marido ia trabalhar para ver se conseguia ser feliz e livrar-me dessa canseira de todo dia no riacho de Nossa Senhora. E vosmecê Genoveva, que tal? 

- Ora, ora, tinha a mesma opinião.

- Eu, (Dizia Delinha para Maricota) pegava o tesouro e carregava para bem longe; no Rio ou S. Paulo ia gozar com Paulinho as delícias da vida, passeando, comendo, dormindo e vivendo bem.

- Que nada, tola.  Ele podia gastar tudo à toa e depois ficava você sem nada. O melhor era fazer uma grande fábrica de chita e juntar mais tesouro... Mais dinheiro. ”(Bezerra, p.8)

Notem, porém, que mesmo as ambições sendo diferentes o meta é a mesma que nós mesmos teríamos hoje se descobríssemos um possível tesouro: Ser feliz, ou ter algum conforto. Peguemos esses pontos que nos aproximam das pessoas da época, isso facilita, pois nossa aventura só é possível por conta dessas pessoas.

Porém, outras pessoas eram movidas por outras motivações, suas ambições eram outras, queriam poder. José Bezerra dos Santos diz que tais pessoas estavam ligadas à política. Queriam o tesouro pra si. Eram os coronéis do lugar. 

Em cidades pequenas nessa época o estado às vezes não chegava. Então, serviços como educação, saúde, segurança, acabavam ficando a encargo do “coronel”, geralmente descendente de uma família de posses que comandava a região, em um regime paternalista. O coronel era o estado. Lembremos das nossas aulas de história geral, Luís XIV teria dito “O estado sou eu”, guardadas as proporções, naquele espaço menor o Coronel acabava sendo, de certa forma, o Estado, ou fazendo às vezes de Estado.

Vamos ver o que esses políticos locais diziam segundo José Bezerra dos Santos:

“Eu, disse o Pedrosa, aniquilaria os inimigos políticos e seria ditador desta terra.

De certo que o senhor Mangueira não gostou desta saída do Pedrosa.

Realmente o povo vivia da política do interior. O senhor Mangueira com a plenipotência de juiz de paz, era o senhor de muitas terras e muito gado. Cheio de si e, de certo, maravilhado diante de sua aparência burguesa, impunha, como os aristocratas, o respeito dos maganos das cédulas.

A polícia do lugar estava nas mãos do Alceu, homem de estatura elevada, vermelho e de rugas na testa.

A Intendência Municipal era do Chiquinho que ali se achava, para, compactuando com a divisão do teseouro, disputar então os quatro que se diziam camaradas.

O Toinho. O homem de bilhar, o Sr. Laláu, sofre também seus queixumes (...)

E Jaboatão nesta época de politicagem reúne a tropa forte do Espinheiro.(...)” (Bezerra, p.14).

Mais adiante Bezerra diz que não era difícil que depois de uma disputa entre os descontentes com os governantes locais e os Coronéis aparecer um “cadáver na praça”. Essa repressão se repetia em várias localidades interioranas do período.

Vimos quem governava, mas e os governados?  Como se sentiam? Temos outra passagem muito ilustrativa:

“O sertanejo sente no coração as agruras de uma angústia que ele não sabe dizer.

Todo citadino que vai gozar férias no sertão, perante o sertanejo se sente soberano. Mas a cidade fustiga o humilde tabaréu que, desconfiado, naturalmente, se apresenta em praça pública...

Seu falar é motivo de galhofas e censuras para o almofadinha que, cheio de trejeitos e tiques no falar e nos gestos, não tem a pureza d’alma do inocente sertanejo.” (Bezerra, p.19)

Era assim que o interiorano se via, acuado. E foi assim que Pedro Alcântara se sentiu ao ir para capital relatar seu sonho.

“Pedro de Alcântara ali estava quase trêmulo e sem graça, julgando-se quase réu a beira do patíbulo, sem ao menos saber o porquê do seu pensar. Ele só sabia que, apesar da curiosidade, o povo também tinha fome e o tesouro acabaria com ela.

A fome e a miséria das multidões sempre acompanharam quem quer que se apresentasse rico de dinheiro e esperanças.” (Bezerra, p.20)

Essa é a passagem mais ilustrativa e mais importante em nossa aventura. Pois o sonho não veio do “nada” e nem é uma “mentira” no sentido de ser inventado para ludibriar a população. Era antes, fruto da realidade histórica do seu tempo. Pois seu Pedro, ao sonhar com uma possível fortuna dos jesuítas pensava também nas melhorias que essa fortuna traria para Jaboatão, e em como aquela terra era pobre. Além disso, há uma grande metáfora nisso tudo. Como vimos no tópico anterior, quem mais fez pela educação no Brasil colônia foram os Jesuítas, claro que uma educação condicionada religiosamente falando, mas ao menos era algum tipo de educação, e ao serem expulsos não foi implantado nenhum mecanismo nem instituição de educação secular para quem não fosse da elite colonial. Logo, o tesouro dos Jesuítas talvez não fosse ouro ou prata, fosse antes a própria educação que eles, em um passado distante, levaram para Jaboatão, e esse passado reaparece figurativamente no sonho do seu Pedro, mas lendas assim eram correntes em pequenas comunidades. 

Pedro de Alcântara “Vivia dos poucos lucros que lhe sobravam da alma impiedosa do coronel do latifúndio; de qualquer forma, ‘Deus seja louvado’, era fruto do suor do seu rosto, dizia a boa consciência do rude camponês. Lembrou-se das placas, recordou os detalhes do sonho que a ninguém foram confiados.” (p.23). Assim como Pedro de Alcântara, em outras localidades aqueles a “inventar” um tesouro jesuítico também eram pobres trabalhadores rurais. Esse tipo de sonho não partia do Coronel, já rico o suficiente, partia dos que não tinham.

 

Fonte: https://embuscadotesouro.weebly.com/a-lenda-do-tesouro.html